Podemos, sem sombra de dúvidas, dizer que - dentre os heróis e mitos de seu passado longínquo - o topo dessa lista (quando se trata do estado de São Paulo, e, de forma mais especial e forte ainda, quando analisamos, tão somente, a cidade de São Paulo), é ocupado pela figura do Bandeirante, de longe o seu exemplo mais marcante e, até mesmo, apaixonante.
E, para corroborarmos o que foi dito acima, é só vermos quantos pontos urbanísticos de São Paulo - bem como de regiões e até de cidades espalhadas pelo interior do estado - têm ligações com a figura, e as empreitadas, dos Bandeirantes. Como exemplos, seguem alguns logo a seguir:
- Têm as rodovias: a Raposo Tavares (que segue para o sudoeste, em direção ao Paraná), a Fernão Dias (que vai pro norte, rumo à Minas Gerais), a Anhanguera (que segue para o oeste, na direção de Mato Grosso do Sul), e a própria rodovia dos Bandeirantes (que homenageia os Bandeirantes como um todo, que segue também para o oeste, e de Mato Grosso do Sul).
[Um adendo: quanto às rodovias com nomes de Bandeirantes (bem como os de alguns Jesuítas e Indígenas), acesse o link abaixo para checar este outro artigo, deste mesmo blog "Histérica História", sobre este assunto em particular.]
- Têm muitas ruas em São Paulo nominadas como homenagem a Bandeirantes (e aqui citaremos algumas delas): Rua Afonso Sardinha, na Lapa; Rua Anhanguera, na Barra Funda [na foto pequena abaixo (1)]; Rua Manoel da Borba Gato, na Vila Itapegica (em Guarulhos); Avenida Braz Leme, em Santana [na foto grande abaixo (2)]; Rua Domingos Jorge Velho, (em Itaquaquecetuba); Rua Cunha Gago, em Pinheiros [na foto grande mais adiante (3)]; Rua Mateus Grou, em Pinheiros; Rua Simão Álvares, em Pinheiros; e, pra terminarmos, Rua Manoel Preto, em Caiapia (em Cotia) [na foto pequena mais adiante (4)].
- E, ainda com relação às ruas de São Paulo com homenagem a Bandeirantes, citaremos outra bem importante: a Av. dos Bandeirantes, no Brooklin, uma importantíssima via de ligação da Zona Sul da cidade [na foto à seguir].
- Até umas das pontes da Marginal do Rio Tietê - aquela que liga o bairro de Santana (na Zona Norte da cidade), ao chamado corredor Norte-Sul (à saber: as avenidas Tiradentes, Prestes Maia, e que, após passar pelo Vale do Anhangabaú, segue para um dos lados de uma bifurcação mais adiante, indo, à direita, acessar a Av. Nove de Julho, ou, à esquerda, acessar a Av. Vinte e Três de Maio). Bom, mas falando da ponte em si, ela tem o sugestivo nome de Ponte das Bandeiras.
[Um segundo adendo: quanto à esta ponte específica - a Ponte das Bandeiras - em primeiro lugar, esta é a segunda ponte construída quase que no mesmo lugar, sendo que a sua primeira versão, de madeira e chamada, meramente, de Ponte Grande (já que, em contrapartida, mais adiante um pouco havia uma outra ponte - perto de onde fica o bairro hoje conhecido por Armênia - e que antes era chamada de Ponte Pequena, estendendo essa designação, mais tarde, ao bairro todo). Outro ponto, mais atual, nos mostra como devemos conhecer nossa história. Explicando: há tempos atrás, o então prefeito João Dória decidiu decorar - especificamente a Ponte das Bandeiras - com várias pequenas bandeiras do Brasil, o que denota a falta de informação histórica do então prefeito, levando-o à uma gafe das piores, afinal, quando se fala em "Bandeiras" - no nome da ponte - estamos falando das bandeiras dos bandeirantes, e NÃO sobre bandeiras de tremularem nos mastros, seja do Brasil ou não...]
Bem, e para entendermos melhor tudo isso, a primeira pergunta em questão é: "Por que os bandeirantes têm tanta importância em São Paulo, e parece não ter essa mesma importância no restante do Brasil?"
A resposta para essa pergunta é, no mínimo, complexa. Vários são os fatores que influenciam na resposta. Então, vamos à ela:
A cidade de São Paulo, diferente das outras cidades fundadas no Brasil, durante o Período Colonial, foi a primeira posta no interior, longe do litoral (que era um ponto natural de ligação com a metrópole portuguesa). Sendo assim, a solidão e o isolamento foram suas principais características durante todo o período como Colônia, bem como no início do período de Império também. Então, devido à cultura indígena - com quem, desde seu início, como colégio jesuítico, os paulistas sempre tiveram laços fortes - foi sobre esses conhecimentos que repousou as esperanças de ganhos dos antigos paulistas.
Com isso, as expedições para os sertões se tornaram parte integrante da vida na vila de São Paulo de Piratininga. Há uma diferenciação entre essas expedições, porém ela é melhor entendida hoje (já que há época ela não existia, bem como a própria ideia e designação de "bandeirante"), sendo elas: "Entrada" seria uma expedição exploratória apoiada e/ou financiada pela coroa portuguesa, e "Bandeira" seria uma expedição exploratória financiada por meios particulares. Os próprios "bandeirantes" não se chamavam dessa forma, e nem mesmo conheciam essa designação (muito menos sabiam - ou se interessavam em saber - as diferenças legais entre "Entrada" e "Bandeira").
A coisa funcionava bem, uma vez que, devido a convivência de longa data com os índios, os paulistas já haviam assimilado muitas informações importantes para viverem - e sobreviverem - no que eles mesmos chamavam, genericamente, de "sertões". Mas, qual era o intuito deles em se embrenhar nestes "sertões"? Um historiador já disse que, da mesma forma como os portugueses se sentiam impulsionados a seguir no rumo oeste, desbravando o "Mar Tenebroso" (ou "Mar Oceano", como também chamavam o Oceano Atlântico), também os seus descendentes paulistas se sentiram imbuídos a seguir na mesma direção oeste (porém, para buscar as riquezas dos "sertões", sendo essa a forma como eles designavam todas as terras ainda a se descobrir no interior desconhecido da colônia). E, quanto às suas causas, estas seriam bem simples: a busca de riquezas - como minas de ouro ou pedras preciosas. Porém, não foi tão fácil assim para os paulistas; e, enquanto não achavam suas sonhadas riquezas, eles iam se virando com o seu "Plano B": o "apresamento de indígenas" em suas incursões (sendo que o termo "apresamento" vem do verbo "apresar", ou seja: tornar presa, aprisionar). E, já que tinham tanto "know-how" no trato com indígenas, acabaram por se especializar nisso. E, se notarmos que os paulistas eram tão pobres - e tão periféricos - em relação às outras cidades da colônia, que nem mesmo escravos africanos eles conseguiam adquirir para as suas plantações, se torna bastante entendível a atitude dos mesmos.
Uma coisa que é muito falada e mostrada sobre os bandeirantes é o fato de se mostrar as bandeiras como tropas de brancos bem vestidos e equipados seguindo sertão adentro; porém, nada pode ser mais ilusório, uma vez que os trajes dos antigos paulistas estavam muito mais próximos do vestuário indígena, que das roupas dos portugueses [conforme pode ser visto na imagem a seguir]. E essas bandeiras eram formadas, em sua grande maioria, por índios, já que o comum era haver uns quatro ou cinco brancos (os chefes da empreitada da bandeira), por volta de uns dez mestiços (muitas vezes filhos bastardos e mestiços dos próprios brancos chefes da bandeira), e, terminando, por volta de 200 ou mais índios (apresados anteriormente, e já aculturados nas fazendas dos chefes das bandeiras). E, sendo que desde muito cedo a cultura paulista foi muito influenciada pelos índios, até mesmo a língua falada em São Paulo de Piratininga era a chamada "língua geral" (que era uma mistura do português com o tupi), sendo ela utilizada até quase meados do século XIX.
Muito se fala, nos dias de hoje, sobre o quão cruéis foram os antigos paulistas; e, também, muito se apregoa sobre a aura heroica desses mesmos paulistas antigos. Porém, é bom que, ao os analisarmos, não cometamos um dos pecados mais comuns nas pesquisas históricas: o do "anacronismo" (se o entendermos em seu âmago, ou seja: o erro de vermos fatos do passado com os nossos olhos contemporâneos, pelo prisma do nosso presente).
Bem ou mal, foi assim que os paulistas de outrora viveram. Agora, entra aqui uma premissa muito presente na história de diversos povos, em diversos países, e - de forma muito especial - em localidades com um passado colonial (como é o caso do Brasil): a tendência de se criar heróis e mitos históricos, usando-os - muitas vezes - atrelados à uma pseudo-história, idealizada dentro de padrões pensados sob o prisma de uma espécie de "cânone" pré-estabelecido (visando, com isso, criar um herói nacional). Foi isso que a República fez - após sua Proclamação - resgatando a figura esquecida de Tiradentes (e transformando-o em herói nacional).
Porém, no caso dos paulistas, foi sua própria intelectualidade - auxiliada pela sua imprensa - que criaram esse mito do bandeirante como herói histórico (isso em princípios do século XX, quando a cidade de São Paulo começa a ganhar grande importância, como polo da produção cafeeiro e, mais adiante, como polo industrial).
Não há como negar que estes antigos paulistas tiveram, sim, sua importância na história de nosso país, não só como parte integrante do "modus operandi" de São Paulo de Piratininga, como também acabaram se envolvendo com fatos de outras localidades do Brasil de então (como é o caso da "Guerra dos Emboabas" e da queda do "Quilombo dos Palmares"). É o que vemos nas imagens abaixo (apresentadas na mesma ordem aqui exposta):
Agora, é bom que se diga: não podemos culpar os que se utilizaram da figura dos Bandeirantes, criando este mito todo. É o que vou explicar melhor logo abaixo...
- Alguns bandeirantes foram, mesmo, figuras muito interessantes. E, para ilustrar isso, escolhi três histórias - de três bandeirantes bem conhecidos - para demonstrar o que disse acima:
* FERNÃO DIAS
Chamava-se Fernão Dias Paes Leme, e ficou conhecido como "Caçador de Esmeraldas", e durante boa parte de sua vida buscou por estas pedras preciosas, ciente que se sentia que realmente existiam, nos "sertões", um local chamado de "Serra das Esmeraldas". Porém, mesmo que saibamos que ele não estava correto quanto a ideia da serra (e que nunca a achou), o local onde ele tanto a procurou - basicamente, onde hoje se encontra o estado de Minas Gerais - era, realmente, como se descobriu em fins do século XVIII, um local de minas (tanto de ouro, quanto de pedras preciosas). Ou seja, ele estava certo!!
* ANHANGUERA
Seu nome era Bartolomeu Bueno da Silva, mas ficou conhecido como "Anhanguera", devido a uma história que é - no mínimo - muito interessante. Vamos a ela... Estando ele - e sua expedição - cercados por uma tribo inimiga, eis que Bartolomeu tem uma ótima ideia: ele pegou um prato, colocando cachaça num prato e colocou fogo. Como esperado, os índios ficaram abismados e temerosos. Aproveitando-se disso, ele disse aos indígenas que, caso não se rendessem, ele iria botar fogo nas águas do rio que passava pela aldeia. E, após este inteligente subterfúgio, os mesmos índios o apelidaram de "Anhanguera" (que significa, em tupi, "Diabo Velho").
* RAPOSO TAVARES
Seu nome completo era Antonio Raposo Tavares, e é um dos bandeirantes mais conhecidos da história paulista. Fez muitas expedições, sendo que a sua última bandeira ficou para a história como a mais longa (dizem que ele chegou ao norte do Brasil, tendo chegado próximo de onde fica o Peru) - e que mais tempo durou (entre três e quatro anos) - sendo que, até mesmo sua família, não o reconheceu quando, finalmente, ele retornou à sua São Paulo de Piratininga. É tido como um dos grandes responsáveis pela conquista de outras posses para a Coroa portuguesa, posses essas que iriam bem além do que fora estabelecido anteriormente, pelo "Tratado de Tordesilhas". Ou seja, ele é um dos principais responsáveis pelo tamanho descomunal do nosso Brasil...
Bom, fato é que os Bandeirantes é o "mito-mor" dos paulistas. E, a corroborar isso, estão testemunhas de pedra por toda a cidade de São Paulo. É o caso da Estátua do Borba Gato, no bairro de Santo Amaro.
E, é lógico que não poderíamos deixar de falar do principal dos monumentos aos Bandeirantes de São Paulo: o Monumento às Bandeiras, no bairro do Ibirapuera (bem em frente ao "Parque do Ibirapuera"). Ele foi idealizado na década de 1920 (próximo dos preparativos para a "Semana de Arte Moderna de 1922"), e é uma obra do escultor Victor Brecheret; porém, acabou sendo inaugurado somente em 1953 (um ano antes das festividades do chamado "IV Centenário" da cidade de São Paulo, celebrado em 1954).
Espero que tenham gostado dessa breve história dos Bandeirantes, e de sua forte ligação com a história de São Paulo. Afinal, é de nosso passado - belo ou nem tanto - que estamos falando. E não há nada mais importante que isso...