sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A "Era Vargas": os vários governos de Getúlio, em suas quatro fases no poder


Getúlio Dorneles Vargas - ou, simplesmente, Vargas - é a figura mais controversa e rica (do ponto de vista histórico), da história republicana do Brasil. É também a de maior oscilação no tipo de sentimentos que suscita, uma vez que é sempre, ou amado ou odiado, pelo povo.

Sendo assim, devido a essa riqueza toda à que o personagem remete, quero, com este artigo. fazer minha pequena contribuição à sua história, explicando o porque dele ter tido - e ainda ter - essa importância toda em nossa História, tendo, mesmo, batizado o seu extenso período no poder de "Era Vargas". Vamos, portanto, ao artigo...

[Acima: charge do cartunista paulistano Chico Caruso, onde se mostra a "evolução" de Getúlio Vargas, em vários momentos de seu longo período de tempo no poder.]

A Revolução de 1930

Tudo começou com a chamada Revolução de 1930, que, em outubro deste ano, tomou o poder, derrubando, assim, o então presidente - Washington Luís - e terminando com o primeiro momento de nossa república (que, doravante, ficaria conhecida como "República Velha"). Ela foi tramada - e perpetrada - por políticos de estados que não mais queriam compactuar com a chamada "Política do Café com Leite" (quando os presidentes eram eleitos sempre seguindo uma regra tácita de alternância entre candidatos, sendo eles, ora paulistas - já que era o estado produtor do "café" - ora mineiros - uma vez que era o estado pecuarista, abastecendo o país de "leite" e seus derivados). Feita a "revolução" e com o poder tomado, o líder maior da mesma acabou empossado como presidente da República, iniciando-se a "Era Vargas" com o que convencionou-se chamar de "Governo Provisório". É o que apreciaremos à seguir... 


[Acima: uma foto do desenlace final da Revolução de 1930, com Getúlio Vargas posando como líder da "revolução" e rodeado por seus aliados "revolucionários".]

1) Governo Provisório (1930 - 1934)

Este período iniciou-se com a indicação - entre os líderes da Revolução de 1930 - de Getúlio Vargas para ocupar a presidência da República (de forma "provisória", até ser elaborada uma nova constituição, com uma posterior convocação de eleições). Este período do governo de Vargas pode ter sido tudo, menos provisório, uma vez que sua duração foi de quatro anos (mesmo período de tempo dos atuais mandatos presidenciais).

O fato mais importante desse período foi a eclosão da Revolução Constitucionalista de 1932, ocorrida em São Paulo (desde o início, o estado mais avesso à Vargas e o seu governo), onde os paulistas pegaram em armas e lutaram contra o governo federal, exigindo uma nova constituição e eleições presidenciais. Os combates foram ferrenhos, com batalhas nas cercanias de São Paulo, bombardeios a prédios do centro da capital paulista e lutas travadas por cidades do interior do estado. Após ser traído por outros estados que iriam se juntar à sua luta, São Paulo perdeu sua revolução. Porém, acabou sendo o "vencedor moral" do embate, uma vez que sua exigência maior - uma nova constituição - teve de ser acatada por Vargas, que convocou uma constituinte para o ano seguinte - 1933 - sendo que, em 1934, foi promulgada a nova constituição do Brasil.



[Nas imagens anteriores: na primeira, um cartão postal alusivo à morte dos quatro estudantes - Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo - assassinados em 23 de Maio de 1932, cujo fato - bem como a sigla criada a partir de seus nomes: MMDC (esta usada como um símbolo da campanha de alistamento de combatentes para a futura revolução que se avizinhava) - ajudou a desencadear os acontecimentos que levaram à Revolução Constitucionalista de 1932, iniciada em 9 de Julho do mesmo ano; e, na segunda imagem, podemos ver alguns dos revolucionários que se alistaram para lutar por uma nova constituição para o Brasil.]

2) Governo Constitucional (1934 - 1937)

Este período se iniciou com a promulgação da Constituição de 1934, e a posterior eleição de Getúlio Vargas como presidente da República (agora de uma forma, digamos, legal, uma vez que se elegeu pelo voto, mesmo que indireto, algo que estava previsto nessa nova constituição).

O fato mais marcante desse período foi a Intentona Comunista, ocorrida em 1935. Foi, como o nome sugere, uma tentativa de golpe comunista (uma "intentona": uma tentativa frustrada de golpe; na verdade, um nome pejorativo dado depois pelo governo), que foi liderada por Luís Carlos Prestes, então um membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB). E, em última instância, ela acabou servindo como combustível para o sentimento anti-comunista (algo muito comum no período do Entre-Guerras), sentimento este que será muito bem usado na farsa do Plano Cohen (onde supostamente o exército encontrou provas de um plano de golpe de Estado comunista), dando a desculpa que Vargas precisava para que ele próprio desse um golpe de Estado, iniciando a ditadura do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937.  



[Nas imagens acima: na primeira, Getúlio Vargas e deputados constituintes no dia da promulgação da Constituição de 1934; e, na segunda imagem, os movimentos das poucas tropas durante a Intentona Comunista, em 1935.] 

3) Ditadura do "Estado Novo" (1937 - 1945)

Este período principia com a instauração da ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937, quando Vargas - que sempre nutriu grande simpatia por governos autoritários, como o de Mussolini, na Itália, e o de Hitler, na Alemanha - criou sua versão tupiniquim de totalitarismo, com a ditadura do Estado Novo. Assim, começaram as perseguições políticas, a censura aos meios de comunicação, as prisões e a tortura da polícia de Felinto Müller, e outras ações repressoras da máquina totalitária federal. 

O fato histórico primordial do período - não só para o governo de Vargas, mas também para a História global - foi a Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre 1939 e 1945 (portanto, toda ela está inserida dentro do período de tempo em que vigorou o Estado Novo). E, nesse ponto, era imprescindível a entrada do Brasil na guerra - ao lado dos Aliados; porém, Vargas ficou "em cima do muro" durante bastante tempo, só oficializando a entrada do Brasil no time dos Aliados quando os Estados Unidos da América concedeu empréstimos e tecnologia para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941. Ao enviar a Força Expedicionária Brasileira (FEB), para lutar na Segunda Guerra Mundial, Vargas acaba dando um "tiro no pé", cavando a sua própria derrubada do poder (após o término da guerra e o retorno dos pracinhas ao Brasil), afinal eles haviam ido à Europa para derrubar ditaduras e não havia sentido algum continuar vivendo em uma, fazendo com que estes soldados engrossassem o coro dos descontentes, fazendo com que Getúlio Vargas fosse deposto, em 29 de outubro de 1945 (exatamente 15 anos e cinco dias depois de Vargas ter deposto - na Revolução de 1930 - o presidente Washington Luís, em 24 de outubro de 1930). Bem, deposto, sim, mas ainda não de todo afastado do poder (como Vargas logo mostraria). E é isso que veremos a seguir...




[Nas imagens anteriores: na primeira, Getúlio Vargas discursa na instauração da ditadura do Estado Novo; na segunda foto, ao centro, vemos pracinhas da FEB em algum lugar do norte da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial; e, na terceira imagem, a deposição de Getúlio Vargas, em 1945.]

Período "fora" do poder (1945 - 1950)

Mesmo tendo sido deposto, Getúlio Vargas não era uma "carta fora do baralho" na política brasileira, uma vez que, nas eleições que se seguiram à sua deposição (alguns meses após a sua derrubada pelos militares), foi o candidato que ele apoiava - o general Eurico Gaspar Dutra - que venceu as eleições para a presidência da República. E, nas mesmas eleições, também ele foi eleito senador (pelo estado do Rio Grande do Sul). Ou seja, ele havia sido retirado do cargo máximo do Executivo, porém abocanhou o maior dos cargos do Legislativo. Coisa que só uma engenhosa "raposa política" poderia fazer. E, se não bastasse, ainda tinha um imenso apoio popular, que clamava por sua volta à presidência (um movimento chamado de "Queremismo", já que seus membros gritavam e escreviam em suas placas a seguinte mensagem: "Queremos Getúlio!!"). E, como era de se esperar numa situação assim, não demorou muito para os "queremistas" tivessem de volta aquilo que tanto exigiram...
















[Nas imagens acima: na primeira, Getúlio Vargas conversa com seu sucessor, o general Eurico Gaspar Dutra; na segunda foto, ao centro, vemos o ex-presidente em campanha para o Senado, terminando com a sua eleição; na terceira imagem, manifestantes do movimento do "Queremismo"participando de um comício político; e, na quarta imagem, um panfleto anunciando a volta de Getúlio ao poder, que era distribuído, nos comícios, pelos membros do "Queremismo".]

4) Governo democrático-populista (1951 - 1954)

Este período se iniciou com a eleição de Getúlio Vargas para a presidência da República, em 1950 (e dessa vez através do voto direto). Nessa sua volta ao poder (Mas será que ele havia mesmo saído?), Vargas fez um governo bastante populista, centrado na relação entre a sua figura carismática - e extremamente paternalista - e o seu eleitorado.

O fato mais marcante desse período foi o próprio escândalo político de seu governo, ocorrido na reta final de seu mandato. Tudo começou com um atentado político contra o principal desafeto de Vargas - Carlos Lacerda - onde este foi baleado no pé, e onde seu acompanhante, um major da Aeronáutica - Rubem Vaz - foi morto. Com a investigação em andamento, descobriu-se que o chefe da guarda pessoal de Getúlio - Gregório Fortunato (apelidado de "Anjo Negro") - podia estar envolvido no crime (como um dos possíveis mandantes do crime). E isso, obviamente, também atingiu o governo de Getúlio Vargas. Se havia ataques de Lacerda antes, à partir disso os ataques foram ganhando em dramaticidade e em peso político, levando também os setores militares a ficarem contra o seu governo. Após aguentar uma grande pressão por sua renúncia, Vargas começa a dizer que não iria ceder à pressão, que não iria renunciar e que "só morto sairia do Palácio do Catete". Na noite entre 23 e 24 de agosto de 1954, a crise e a pressão por sua renúncia chega ao seu ápice, com movimentação de tropas no entorno do Catete. Encurralado e sem uma saída a contento, Vargas cumpre sua ameaça - no episódio que ficou conhecido como o suicídio de Getúlio Vargas - "saindo da vida para entrar na História" (como dizia em sua "carta-testamento"), quando, por volta das 8:00 h da manhã de 24 de agosto de 1954, desferiu um tiro no próprio peito, à queima roupa, tirando a própria vida. 





[Nas imagens anteriores: na primeira, capa do jornal "Última Hora", com a notícia do suicídio de Getúlio Vargas; na segunda, foto do velório de Vargas; e, na terceira imagem, foto do enterro de Getúlio Vargas, onde podemos ver dois de seus ministros - João Goulart, Ministro do Trabalho, e Tancredo Neves, Ministro da Justiça - acompanhando o féretro, quando este estava sendo levado ao caminhão que o levaria ao aeroporto, para que fosse, assim, trasladado para o Rio Grande do Sul.]


-.- X -.-

Há alguns que dizem ser o maior legado de Getúlio Vargas, o de ter - com seu suicídio - evitado um golpe de Estado que seria perpetrado pelos militares (e isso em 1954, ou seja, 10 anos antes do golpe militar de 1964), opinião defendida pelo próprio Tancredo Neves. Bem ou mal, Getúlio Vargas foi um dos políticos mais influentes (e com o período de tempo no poder mais longevo da história republicana do Brasil). E, como dito no início, você pode até estar na turma dos que o odeiam, ou na turma dos que o amam, porém, de uma coisa não há duvidas: este é um dos personagens de maior riqueza para que se conhecer melhor a história do Brasil de nossos dias. E isso é um fato, e contra fatos, não há argumentos...


[Na imagem a seguir: uma das últimas fotos de Getúlio Vargas em vida.]

2 comentários:

Unknown disse...

Em 9/07/32, quando eclodiu a Revolução, o país já tinha eleições marcadas para uma Assembleia Nacional Constituinte e São Paulo já tinha um interventor, paulista e civil, bem ao gosto de sua elite. A "exigência maior" do movimento era a queda de Getúlio Vargas, com o possível resgate do poder perdido com a Revolução de 30. O Movimento Queremista é citado no texto como ocorrido após esta queda, pela volta dele à presidência, mas a rigor é anterior a mesma e o objetivo dos que o deflagraram era a Constituinte com Getúlio. Também seria válido citar o contexto econômico e social em que se deram os ataques não só de Lacerda, mas da imprensa em geral, da UDN e dos militares, ao seu último governo, destacando o aumento de 100% do salário mínimo e a criação da Petrobrás. De um modo geral, porém, é um bom artigo.

Histérica História disse...

Que bom que gostou, Bruce Wayne (algum parentesco com o Batman, rsss...)! E o meu muito obrigado pelas suas informações, que, com certeza, deram um serviço e tanto aos leitores!! E continue a prestigiar o nosso blog... Valeu!!!