sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A história das intromissões do nosso exército na política, na sociedade e na economia do Brasil


A história do Brasil se confunde - em muitos e muitos momentos - com a história das intromissões de nosso exército em nossa política, nossa sociedade e, até mesmo, em nossa economia. É a história dessas intromissões - na maioria das vezes catastróficas - que será contada neste artigo. Vamos a ela...

Para entendermos o porque de nosso exército ser tão, digamos, intrometido, temos de voltar ao momento da criação do mesmo, o que ocorreu pouco tempo depois da própria Independência do Brasil. Porém, nesses primórdios, o exército tinha a pomposo nome de Guarda Nacional. Pode até ser pomposo, porém o nome já demonstra algo de monta: não era um exército, mas sim uma guarda (que denota algo bem menor do que um exército). E, para um país de tamanho continental, como é o caso do Brasil, uma guarda não iria suprir as necessidades desse grande país que nascia...


Essa Guarda Nacional era mal aparelhada - como se pode notar pela imagem acima - e mal preparada. Pra piorar, muitas vezes sua principal atribuição era a caça de escravos fugidos e o desmantelamento de quilombos. Um triste início para o nosso exército...

Já durante a Guerra do Paraguai essa Guarda Nacional foi se agigantando, treinando mais, e, dessa forma, foi criando ares de um verdadeiro exército. Porém, aqui também há uma triste nota, que foi o caso dos chamados Voluntários da Pátria, criado por Dom Pedro II, em 1865 (sendo ele próprio o Voluntário n.º 1). Fato é que estes "voluntários" vinham da população masculina pobre, que muitas vezes eram pegos pelas ruas, acusados de vadiagem, ou então aliciados em festas populares criadas já com o intuito de se juntar uma grande quantidade de homens para serem futuros soldados para a Guerra do Paraguai. De 1864 a 1870, período que a guerra durou, foram mandados quase 38.000 homens como Voluntários da Pátria, sendo que muitos eram escravos enviados para a guerra no lugar de seus senhores brancos ou de um de seus filhos. Por terem lutado juntos na guerra, quando esta terminou os soldados deste novo e fortalecido exército não mais quiseram fazer as vezes de capitães-do-mato, e seguir caçando negros fugidos. Ponto pro exército!...


Porém, com esse ponto, o sucesso começou a "subir a cabeça" do vencedor exército brasileiro. Isso foi fazendo com que republicanos, antigos ou novos (tendo estes últimos aderido ao movimento após a Abolição da Escravidão ou até mesmo antes, com as leis escravagistas anteriores à Lei Áurea), fossem se achegando ao comando do exército, tentando trazê-los para os auspícios da Republica. Pensada e iniciada por republicanos fazendeiros de São Paulo, a Proclamação da República ocorre no Rio de Janeiro, meramente como um golpe de Estado perpetrado pelo exército, que foi apoiado por uma elite cafeeira que não mais queria a Monarquia, já que esta não mais atendia aos seus anseios. E, não por acaso, os dois primeiros presidentes da nascente República brasileira foram membros do comando do exército, os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, tendo sido esse período de governo, o do 1.º e do 2.º presidente, ficado conhecido pelo nome de República da Espada (que era, então, usada pelos marechais do exército em seus trajes de gala)...


Ainda durante a chamada República Velha (período que vai de sua proclamação, em 1889, até 1930), mesmo sendo membros de médio escalão do exército, os tenentes deram bastante trabalho na política, com manifestos, cobranças ao governo e tentativas de golpe, o que ficou conhecido pelo termo genérico de Tenentismo. Seus pontos marcantes foram o episódio dos 18 do Forte, em  Copacabana, no Rio de Janeiro. Ocorrido em 1922, os tenentes pediam a renúncia do presidente Arthur Bernardes. Dois anos depois, em 1924 (na mesma data do episódio do Forte, de 1922, ou seja, no dia 5 de julho), foi iniciada outra revolução tenentista, dessa vez ocorrida em São Paulo, porém seu objetivo era o mesmo de dois anos antes: a deposição do presidente Arthur Bernardes. Depois, em 1925, como uma espécie de último grito do Tenentismo, a Coluna Prestes começou sua grande marcha pelo Brasil, buscando, assim, mudar a política nacional.


O ápice do movimento do Tenentismo acabou sendo a própria derrubada da República Velha, afinal de contas a Revolução de 1930 tinha em suas colunas muitos dos tenentes que se rebelaram durante o decorrer da década de 1920. Os revolucionários liderados por Getúlio Vargas tinham total apoio do exército...


Durante a chamada "Era Vargas" a relação de Getúlio Vargas e do exército só fez aumentar. Em vários momentos de seus quinze anos no poder, foi o apoio do exército que manteve as coisas nos trilhos (e Vargas no poder). Durante o Governo Provisório, com a Revolução Constitucionalista de 1932, o exército foi implacável com os revolucionários paulistas, com bombardeios até mesmo nas cercanias do centro da cidade de São Paulo. Mas a nova constituição para o Brasil veio, em 1934, e, com ela, a eleição indireta de Getúlio Vargas, iniciando assim seu Governo Constitucional. E, quando estava prestes a acabar seu mandato - um ano antes da eleição - foi o exército que, em apoio a ideia de golpe de Vargas, forjou uma carta onde se trocavam informações sobre um suposto futuro golpe comunista (que a época ficou conhecida como Plano Cohen), tendo sido esta a desculpa para o golpe de Vargas, em 1937, que instaurou a ditadura do Estado Novo.


Depois de ser apoiado em seu golpe pelo exército, a ditadura do Estado Novo durou de 1937 a 1945. Ou seja, ela compreende, dentro de si, toda a Segunda Guerra Mundial (que foi de 1939 a 1945), guerra esta que Vargas e seus dirigentes do exército (como Góes Monteiro, no centro da foto acima), queriam entrar do lado do Eixo. Porém, tanto os Estados Unidos fizeram - e prometeram - que o ditador Getúlio Vargas acabou entrando na guerra do lado dos Aliados, mandando os pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira) pra Europa, para que lutassem a favor da liberdade, e contra as ditaduras nazista - de Hitler - e fascista - de Mussolini (um belo paradoxo isso, por sinal...). E isso acabou se mostrando extremamente prejudicial para o Estado Novo, pois os mesmos pracinhas, quando voltaram (após o término da guerra), começaram a engrossar o coro de insatisfeitos com a ditadura do Estado Novo. O que é de se entender, já que eles haviam lutado na Europa para derrubar ditaduras sangrentas; sendo assim, como poderiam voltar para o Brasil e continuar vivendo numa ditadura; isso acabou ajudando a decretar o fim do Estado Novo, com a deposição de Vargas. O mesmo exército que o apoiou na Revolução de 1930, agora depunha o ditador do poder (na foto abaixo podemos ver vários bustos do ditador Vargas sendo retirados de praças e avenidas do Rio de Janeiro, após sua deposição feita pelo exército)...

  
Após isso, Vargas perdeu seu poder, mas ainda continuou "dando as cartas" na política nacional. O que corrobora isso é o fato de que, nas eleições que se seguiram à sua deposição, foi o candidato que ele próprio apoiava que venceu o pleito (o general Eurico Gaspar Dutra). E, para dar mais ênfase ao que foi dito acima, depois do mandato de Dutra, o próprio Vargas voltou ao poder, e dessa vez eleito democraticamente. Porém, uma vez ditador, sempre ditador (poderíamos assim dizer), uma vez que seu mandato foi marcado por corrupção, desmandos administrativos e, até mesmo, denúncias de perseguição a desafetos políticos (como Carlos Lacerda, na foto abaixo sendo carregado após tomar um tiro no pé, no que ficou conhecido como o Atentado da Rua Toneleiros)...

Com a grave crise que se instaura, começam as pressões para que Vargas renuncie (pressão, inclusive, do próprio exército). E, dizendo que só sairia do Palácio do Catete morto, no dia 24 de agosto de 1954, Vargas cumpre sua palavra. É o suicídio de Getúlio Vargas. Isso joga o Brasil em outra grave crise política, porém, a atitude drástica de Vargas pode ter evitado uma possível tomada de poder pelos militares, já em 1954 (10 anos antes do golpe militar de 1964)...


Com isso, entra-se num período de democracia no Brasil. Mas este foi extremamente conturbado. No governo de Juscelino Kubtscheck tem-se uma certa estabilidade política, e o exército dá uma "acalmada em seus ânimos". Mas, com a eleição e posse de Jânio Quadros, considerado um presidente de esquerda, e muito temido pelos militares, este clima de calma acaba no exército, e começa-se uma campanha militar "secreta" contra o presidente. Após somente 8 meses no poder, acontece a renúncia de Jânio Quadros, que, alegando haver "forças terríveis" que o obrigavam a tomar tal atitude, disse não ter outra opção a tomar. Por "forças terríveis" podemos ter como certas a pressão do próprio exército, bem como o imperialismo norte-americano (que apoiava o exército rebelado contra o governo)...


Assim, para o exército, foi pior ainda essa renúncia, pois, se consideravam Jânio Quadros um presidente de esquerda (e que poderia levar o Brasil ao comunismo), seu vice-presidente, João Goulart (o "Jango"), era bem mais perigoso na visão do comando do exército (e sua ideologia, mais de esquerda ainda). Com isso, o exército interveio, primeiro para tentar impedir sua posse (coisa que não foi possível levar a cabo)...


Por fim, depois da tentativa frustada, acabaram fazendo com que o agora presidente João Goulart perdesse parte de seus poderes (com a implantação do Parlamentarismo no Brasil, apoiado pelo Congresso, que estava sendo muito pressionado pelo próprio exército). Assim, João Goulart torna-se presidente, porém com poucos poderes (uma vez que o poder de fato estava nas mãos do primeiro-ministro, Tancredo Neves, que aparece à direita de Jango na foto abaixo)...


Este estratagema dos militares não durou muito e, por meio de um plebiscito (uma consulta à população), em 1963 o Parlamentarismo no Brasil terminou, e o Presidencialismo voltou a ser adotado pelo governo brasileiro. João Goulart tinha, novamente, todos seus plenos poderes...


Assim, à partir desse ano, o exército começa a fazer uma "marcação serrada" sobre o governo de Jango e toda e qualquer guinada mais à esquerda do presidente era tomada como uma espécie de afronta ao exército. E, nessa "queda de braço", o ponto culminante foi o chamado "Comício da Central do Brasil", ocorrido em 13 de março de 1964, onde o presidente falou sobre o lançamento de suas "Reformas de Base", considerado pelo exército como sendo extremamente fora dos ideais da direita elitista brasileira. Em resumo: coisa de comunista. Ou seja, uma verdadeira afronta ao país e ao exército, uma vez que era de uma total tendência comunista...


Foi o que bastou pra que o exército tomasse novamente para si a tarefa de defender o Brasil de algo perigoso, na visão deles (na realidade, foi uma resposta da direita e da elite brasileira ao "presidente comunista", seguindo assim a cartilha de aliados dos norte-americanos, no grande xadrez que era a Guerra Fria, que vivia o seu momento de auge, sendo que os E.U.A. não poderiam - e nem iriam querer - um novo país na América sob os auspícios da U.R.S.S., ou seja, uma nova Cuba).


Com isso, em 1.º de abril de 1964, é dado o golpe militar, sendo deposto o presidente João Goulart, iniciando-se um período de 21 anos de Ditadura Militar, período este em que estivemos sob o governo de 5 presidentes militares (mais uma Junta Militar, durante um breve momento), conforme demonstra a cronologia abaixo:

- Marechal Castelo Branco (de 1964 a 1967)
- Marechal Costa e Silva (de 1967 a 1969)
- Junta Militar (por dois meses, em 1969)
- General Médici (de 1969 a 1974)
- General Geisel (de 1974 a 1979)
- General Figueiredo (de 1979 a 1985)

Após anos de luta pelo retorno à democracia, somente em 1985, por decisão dos próprios militares, que conduziram, eles mesmos, um processo de abertura, o governo voltou às mãos dos civis. O saldo disso foi a ditadura mais ferrenha e sangrenta que o Brasil já teve, uma das piores ocorridas em todo a América e, quiçá, uma das mais horríveis do mundo...



Agora, uma pergunta: será que realmente, durante a Ditadura Militar, nós vivemos num "mar de rosas"? Não, não vivemos! Afinal, a corrupção existia, sim... Só não podia ser mostrada e, muito menos, se podia falar sobre ela, simplesmente porque havia algo que toda ditadura adora: a censura aos meios de comunicação. Ou seja, ela existia, mas não se podia falar disso. Houve desmandos na economia? Vários, porém, com a desculpa que tudo era uma questão de segurança e de soberania nacional, nada podia ser discutido ou mesmo questionado. O fato do povo viver à margem da democracia e das decisões da nação também era encarado como uma questão de segurança, daí poucos decidirem, sobre tudo, em nome de muitos... As charges acima demonstram, com muito bom humor, como era a vida da população brasileira à época: sempre com medo e sem voz política ativa para nada!! 

[Na primeira, uma charge do grande Henfil, o povo é mostrado como não sendo ouvido pela ditadura, já que era supérfluo e desnecessário na política (sendo até mesmo "ilegal"). E, na segunda charge, de Claudius, o que se mostra é o clima de medo que o DOPS - Departamento de Ordem Política e Social - dava à população, como órgão de repressão que era.] 

Agora eu lhes pergunto: é isso que queremos que volte a acontecer em nosso país?... 

[Pois será exatamente assim que a "banda voltará a tocar", caso um novo golpe militar aconteça!]


Este artigo foi pensado devido a muito ter se falado - e, devido a alguns "idiotas políticos", até mesmo se ter clamado (em manifestações, com o uso até mesmo de cartazes) - sobre o fato de que um possível novo golpe militar no Brasil seria o remédio para os vários desmandos políticos e, principalmente, para se dar um fim à corrupção que impera em nosso país. Sendo assim, quero deixar claro que, independente do quão difícil uma situação possa se mostrar, NUNCA um regime de exceção - em especial uma ditadura (seja ela civil ou militar) - pode ser considerado como opção pra nada...

Afinal, nosso país é ainda muito novo, com uma história ainda muito pequena (já que podemos considerar que o Brasil, como o concebemos hoje, só nasceu, mesmo, com a chegada da Família Real portuguesa à sua colônia, em 1808. Ou seja, não temos os 500 anos que foram alardeados, no ano 2000 (com o projeto "Brasil 500"), pois de 1500 - ano do descobrimento - até 1808 - data que Dom João aqui chegou - esse território imenso era, tão somente, uma grande fazenda de exploração. Sendo assim, temos, como país e como brasileiros, meros (e exatos), 209 anos (o que, para a História, é quase nada).

Temos, portanto, que melhorar, como país, povo e nação? Sem dúvida que sim. Porém, mesmo que nos sintamos mal com os absurdos, os desmandos e as várias e várias coisas erradas que vemos todos os dias, em nossos noticiários, temos, sim, que lutar para nos tornarmos algo melhor, mais confiável, mais justo e menos corrupto (bem como, corruptível), não só para nós mesmos, mas também - e principalmente - pensando no futuro do país. por nossos filhos, netos, bisnetos, etc, etc... Isso é óbvio!! Mas - é bom que se deixe bem claro - não será com autoritarismos e ditaduras, militares ou civis - que iremos conseguir isso. Será, sim, com muito trabalho - bem como muitas mudanças de atitude - que conseguiremos alterações profundas no âmago de nossa sociedade. E, para tanto, só a Democracia (assim mesmo, com letra maiúscula), poderá nos ajudar. E NUNCA - repito - com ditaduras, tenham elas a origem que tiverem... 

Bom, é isso! E "Viva o Brasil"!!!...

2 comentários:

Márcio Teixeira disse...

Bom... parabéns !!! deixo um convite: .
A Revolução pela Consciência: um ensaio sobre os problemas brasileiros.

Histérica História disse...

Que bom que gostou do artigo!! E como ele foi polêmico... Mas eu já esperava isso, porém não com essa intensidade toda, rsss...

Quanto a seu livro, gostei da ideia e quero lê-lo quando estiver terminado. Me avise sobre o lançamento...

Grande abraço!!!