sábado, 11 de julho de 2020

300 anos de história do Brasil em 13 obras de arte (1700 - 2000)

Com este artigo vamos falar sobre praticamente os últimos 300 anos da história do Brasil através de 13 obras de arte e de seus respectivos pintores. E, de forma bem inusitada vamos fazer uma análise de alguns fatos históricos do momento em que os artistas produziram suas obras de arte. Vamos a elas...


SÉCULO XVIII


1.°) Pintura do teto da Igreja de São Francisco (em Ouro Preto-MG) - entre 1801 e 1812 - Mestre Ataíde




Foi contemporâneo de Aleijadinho e sua obra se situa entre o Barroco e o Rococó. Mesmo que sua produção  seja do início do século XIX, a temática e a técnica de sua obra remete ainda à escolas artísticas do século XVIII (com temas ligados à Igreja Católica Apostólica Romana).

Fatos históricos do período: estamos no final do extenso período chamado "Brasil Colônia", em fins do século XVIII, onde o Brasil ainda era uma imensa fazenda de exploração. Suas obras remetem à pujança dos tempos após o encontro de ouro na região das Minas Gerais (ocorrida em fins do século XVII, na década de 1690),  quando as igrejas da região mostravam seu poder através de sua decoração (que remetia ao ouro - presente em grandes quantidades há mais de 100 anos - mas já em seu momento de declínio).


SÉCULO XIX

2.°) Aclamação do Dia do Fico - 1822 - Jean Baptiste Debret


Foi o grande "cronista visual" do século XIX - em especial no período conhecido por "Brasil Império" - e, sendo um dos membros da chamada "Missão Artística Francesa", Debret foi o principal pintor da Missão, retratando muito do cotidiano daquele provinciano Rio de Janeiro - com seus escravos e comerciantes - tendo também se envolvido no processo de Independência do Brasil (sendo mesmo sua principal "testemunha ocular", deixando para a nossa posteridade muitas e muitas imagens como desenhos e telas de pintura com temas relativos aos primeiros anos do Império do Brasil, como fica patente na imagem aqui apresentada).

Fatos históricos do período: as obras de Debret abrangem desde o momento da vinda da família real para o Brasil, passando pelo processo e pela própria Independência do Brasil, e chegando ao período do "Primeiro Império" (1822-1831), sendo que seus desenhos e pinturas são documentos históricos inestimáveis para conhecermos melhor esse momento histórico brasileiro.


3.°) Primeira Missa no Brasil - 1860 - Victor Meirelles



À partir da segunda metade do século XIX - com o enriquecimento que o café trouxe para o Brasil - se iniciou uma espécie de mecenato de D. Pedro II, que apoiou financeiramente alguns artistas nacionais (muitas vezes concedendo a eles várias bolsas de estudo em escolas de Belas Artes pela Europa). É o que acontece com Victor Meirelles, que é enviado para Roma e depois à Paris (especializando-se em pintura histórica, vindo daí o tema mais recorrente em suas pinturas). Acabou sendo um pintor dos mais prolificos, sendo um criador de grandes ícones pictóricos da historiografia brasileira (principalmente no período do "Brasil Império").

Fatos históricos do período: as obras de Victor Meirelles abrangem desde o início da riqueza do café, passando pelo processo e pela própria proibição do tráfico de escravos no Brasil, e chegando ao período do "Segundo Império" (1840-1889), sendo a imagem aqui apresentada uma de suas telas de tema histórico (no caso, o evento da primeira missa ocorrida no Brasil, no atual litoral da Bahia, em 1500, fato que remete a tomada da terra recém-descoberta, iniciando-se a colonização portuguesa na América).


4.°) Independência ou Morte - 1888 - Pedro Américo


Esta tela é a mais icônica de nossa historiografia, sendo, porém, um otimo exemplo do que realmente ela é: uma ótima pintura de tema histórico e uma boa peça de propaganda para o império brasileiro. Hoje sabemos que foi uma romantização do que realmente aconteceu (moldando a cena real, transformando-a nessa grandiosa cena épica e idealizada). Pedro Américo, um dos artistas apoiados pelo Império, também foi enviado a uma das escolas de Belas Artes de Paris, especializando-se na pintura histórica (vertente artística muito apreciada pelos governos, especialmente pelas monarquias), ajudando, assim, a documentar o próprio período do "Brasil Império".

Fatos históricos do período: a obra de Pedro Américo foi produzida - em detrimento do momento histórico que estava retratando (o de nascimento da monarquia brasileira) - justamente no momento oposto, o de ocaso da mesma monarquia, uma vez que, em 1888 (ano que a obra foi produzida), ocorreria a Abolição da Escravidão, enfraquecendo a Monarquia, fazendo com que, já em 1889, ocorresse a Proclamação da República (iniciando o período do "Brasil República").

5.°) Caipira Picando Fumo - 1893 - Almeida Júnior




Sai o tema histórico, entra a predisposição a temas do cotidiano, representado nesta imagem pelo hábito do caipira de picar fumo para fazer cigarros de palha (lembrando que ele - o caipira - é exatamente o fruto da miscigenação entre o branco-europeu e o índio), mostrando que o país de mestiços - no caso, o dos caipiras paulistas - vencia a tentativa de branqueamento da população, algo que, ao menos em teoria, foi tentado pelo império brasileiro. Quanto ao pintor, Almeida Júnior é paulista e um dos pintores expoentes, ainda do período  do "Brasil Império", porém demostrando que tanto no novo governo - a República - como também na temática das artes, começava a existir uma grande influência do agora estado de São Paulo.

Fatos históricos do período: momento dos primórdios da República no Brasil, sendo que a primeira Constituição da República, de 1891, havia sido promulgada somente dois anos antes da produção dessa obra de Almeida Júnior, e, no ano em ele pintou essa tela, 1893, se iniciou a Revolucão Federalista - ocorrida no sul do Brasil - mostrando o quão conturbados eram os primeiros momentos de vida da chamada "República Velha" (1889-1930).

6.°) Fundação de São Vicente - 1900 - Benedito Calixto



No final do século XIX, prestes a se iniciar o novo século XX, a hegemonia do estado de São Paulo se adensa, e a arte com tema histórico está agora à serviço da história paulista, como neste quadro de Benedito Calixto, que mostra a fundação da cidade de São Vicente, primeira vila fundada no Brasil, no litoral paulista, em 1532, onde - nesse período do "Brasil República" - São Paulo se colocava como a "locomotiva" do país (e o real mandatário da República).

Fatos históricos do período: a obra de Benedito Calixto foi produzida em 1900 (último ano do século XIX), e o momento da grande imigração do início do século XX,  quando italianos, portugueses, espanhóis e japoneses trocaram seus países pelo Brasil (e, dentro dele, São Paulo), para fazerem suas vidas na América (levando, assim, ao espantoso surto de industrialização que o Brasil - e, de novo, São Paulo, em especial - teve durante todo o novo século). Também é digno de nota a busca da própria elite paulistana por sua própria história (a mais heróica possível), que levou a um movimento de culto aos Bandeirantes, (uma das futuras telas do próprio Benedito Calixto será uma imagem do bandeirante Domingos Jorge Velho) retratados nesse momento como grandes heróis paulistas da nação (e onde a temática "Brasil Colônia" da tela em questão se encaixa tão bem).


SÉCULO XX


7.°) Uma estudante - 1916 - Anita Malfatti



No início do século XX a imigração continuava de forma intensa e, com isso, a mão-de-obra imigrante vai sendo usada cada vez mais nas indústrias, trazendo com isso o movimento sindical para a vida dos brasileiros. A artista Anita Malfatti foi uma das primeiras grandes artistas plásticas do movimento artístico do Modernismo (que dali há 5 anos iria incendiar as Artes com a "Semana de Arte Moderna", em 1922). Suas obras foram pouco compreendidas e bastante atacadas (sendo muito lembrada a crítica que Monteiro Lobato fez, num jornal, da mostra artística que a própria Anita Malfatti teve, na São Paulo do final de 1917), mostrando que o Modernismo teria de conquistar muitos corações e mentes para se impor como forma de Arte, num Brasil ainda muito provinciano em seu gosto artístico.

Fatos históricos do período: a obra de Anita Malfatti foi produzida em 1916 e, no ano seguinte acontece sua primeira mostra de arte moderna. Também em 1917 acontece a  grande "Greve Geral" (marcando o início do Movimento Sindical no Brasil), bem como o Comunismo se torna a palavra de ordem do ano seguinte (de 1917), uma vez que, em outubro desse mesmo ano, irá acontecer a Revolução Russa.

8.°) Autorretrato II - 1919 - Lasar Segall




Lasar Segall nasceu na Lituânia - então parte do Império Russo - em 1889, e tem uma grande história na arte brasileira, tendo sido um dos artistas plásticos que se envolveram com o movimento artístico do Modernismo. Foi casado com Jenny Klabin - das "Indústrias Klabin" - transitando, por isso mesmo, de forma muito tranquila por entre a abastada elite paulistana dos grandes industriais. 

Fatos históricos do período: a obra de Lasar Segall foi produzida em 1919, sendo um momento de muitos problemas, já que no ano anterior havia terminado a Primeira Guerra Mundial, e durante os últimos anos da mesma apareceu a Pandemia de Gripe Espanhola, que chegou ao  Brasil em 1918. Por outro lado o mundo estava prestes a iniciar os chamados "Loucos Anos 1920", a grande festa de uma década que viria a preceder a "Grande Depressão" (ocorrida logo depois, durante os Anos 1930).

9.°) Pierrete - 1922 - Di Cavalcanti




Nesta obra, de 1922, o carioca Di Cavalcanti (que além de pintor, era também muralista, cartunista e desenhista, sendo dele o desenho para o cartaz da "Semana de Arte Moderna", também de 1922), ele aborda a temática da maior festa popular brasileira, o Carnaval (mesmo que com um "quê" de Carnaval de Veneza), algo que era bem comum entre a turma de artistas modernistas (e que se aprofundará com o Movimento Antropofágico, de 1928, capitaneado por Oswald de Andrade, e sua grande fome de cultura, mesmo que vinda de fora).

Fatos históricos do período: a obra de Di Cavalcanti foi produzida em 1922, mesmo ano de eclosão da Revolta Tenentista contra o presidente Arthur Bernardes, bem como o ano da já citada Semana de Arte Moderna

10.°) Operários - 1933 -Tarsila do Amaral




Momento de auge da Grande Depressão no mundo ocidental - inclusive no Brasil - de crescimento e fortalecimento do Movimento Sindical (sendo, mesmo, tema da própria tela), e de amadurecimento cultural do Modernismo brasileiro, sendo a artista parte integrante da trupe modernista (mesmo não tendo feito parte da "Semana de Arte Moderna"), sua obra está bem ligada ao movimento, uma vez que foi casada com Oswald de Andrade, uma grande amiga de Anita Malfatti, bem como também do grande poeta Mário de Andrade.

Fatos históricos do período: a obra de Tarsila do Amaral foi produzida em 1933 e, no ano anterior - 1932 - aconteceu a "Revolução Constitucionalista de 1932" e, no mundo, no mesmo ano de produção desta tela, Adolf Hitler era alçado a posição de chanceler alemão (começando o caminho para a Segunda Guerra Mundial, que se iniciará em 1939).

11.°) Os retirantes  - 1944 - Cândido Portinari




Um dos grandes artistas do pós-Modernismo, Cândido Portinari é quase uma unanimidade quando o assunto são os grandes artistas plásticos brasileiros, nunca tendo esquecido sua temática social da arte (sendo que, na obra aqui apresentada, ele nos mostra a sua visão de um grande flagelo brasileiro - desde pelo menos o século XIX - que é a seca no Nordeste. Foi um artista completo, que até mesmo fabricava suas tintas (e, talvez por este mesmo motivo, tenha morrido em decorrência de um envenenamento gradual causado por suas tintas).

Fatos históricos do período: a obra de Cândido Portinari foi produzida em 1944, ano do "Dia D" - 6 de Junho de 1944 - que abriu caminho para o término da Segunda Guerra Mundial (que ocorrerá no ano seguinte, em agosto de 1945), sendo que isso também acarretará no final da "Era Vargas" (quando os pracinhas da FEB influenciarão no fim da ditadura do Estado Novo).

12.°) Bandeirinhas estruturadas - 1966 - Alfredo Volpi



A temática das telas do italiano Alfredo Volpi tinha um grande cunho folclórico - com o uso recorrente da forma das bandeirinhas de Festas Juninas (elas são tão importantes para o artista que estão até mesmo no nome de sua obra) - criando muitas composições com elas, pura arte abstrata. É um dos expoentes da chamada segunda geração do Modernismo.

Fatos históricos do período: a obra de Alfredo Volpi foi produzida em 1966, sendo este o segundo ano do Regime Militar - instaurado em abril de 1964 - com a primeira presidência militar, a do marechal Castelo Branco. A Ditadura Militar - legalmente falando - viria dentro de dois anos...

13.°) Seja Marginal, Seja Herói 1968 - Hélio Oiticica




O carioca Hélio Oiticica foi um artista plástico que, quando fez esta obra - uma "bandeira", como é chamada esse tipo de obra de arte - à expôs numa mostra, causando muita polêmica (sendo acusado até mesmo de fazer apologia ao crime), uma vez que a obra é uma imagem serigráfica de um bandido morto pelo Esquadrão da Morte (um "batalhão" da PM "encarregado" de MATAR bandidos para "acabar" com a criminalidade), seguido do forte texto: "Seja marginal, seja herói". Esta obra acabou se tornando uma espécie de "inauguração visceral" do Movimento Marginal - ou Marginália, como também é chamado - sendo Hélio Oiticica um de seus maiores expoentes (bem como um dos artistas mais "patrulhados" pelos militares da chamada "Linha Dura", que será responsável pelos Anos de Chumbo que virão).

Fatos históricos do período: a obra de Hélio Oiticica foi produzida em 1968, ano emblemático dos embates contra o Regime Militar (que, no final deste mesmo ano de 1968, irá endurecer de vez, "evoluindo" para uma Ditadura Militar (de fato e de direito), uma vez que agora terá o aval do AI-5 (aprovado em dezembro deste mesmo 1968).


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Caso tenham gostado desse tipo de artigo - que acaba por analisar a História através da história da Arte - acesse o link abaixo (com um outro artigo do acervo do blog "Histérica História", que também segue nessa mesma linha de abordagem):

500 anos de História em 15 obras de Arte (1500 - 2000)

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Espero que tenham gostado dessa "viagem" por quase 300 anos de história do Brasil através da análise destas 13 telas de pintura (e de seus 13 respectivos pintores), numa mistura bem legal com a história da Arte brasileira. E até um próximo artigo...

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