domingo, 17 de fevereiro de 2019

Uma análise dos "Anos de Chumbo"


Podemos dizer que os chamados "Anos de Chumbo" (entendendo-se esse termo como sendo a forma como acabou sendo, mais comumente, chamado o período mais negro e cruel da Ditadura Militar brasileira - 1964 a 1985). Ele se iniciou (e foi possível), devido o que veio a ser chamado de "golpe dentro do golpe". Ou seja: isso foi o golpe da chamada "linha dura" do exército (aquela parte dos militares que achava que a ditadura estava "branda" demais, e que, com a decretação do AI-5, em dezembro de 1968, pelo simpatizante da "linha dura", o marechal Costa e Silva, que - por motivos de saúde - acabaria seu "mandato" um pouco antes do previsto, dando, dessa maneira, todas as ferramentas necessárias ao seus sucessores para levar a "linha dura" ao poder de fato).

* Um adendo: pra saber mais sobre o Decreto do AI-5, acesse, à seguir, esse artigo, que é somente sobre este assunto:


Isso ocorreu, realmente, com a saída do marechal Costa e Silva - que, num primeiro momento, foi substituído pela chamada "Junta Militar", ou "Junta Governativa Provisória" (seu nome "oficial", bem pomposo se comparado com seu nome "popular": "Os Três Patetas"), e que era composta pelos líderes das chamadas três armas; ou seja: o general Aurélio de Lira Tavares (ministro do Exército), o almirante Augusto Rademaker (ministro da Marinha), e o brigadeiro Márcio de Sousa Melo (ministro da Aeronáutica) - e, por fim (e em definitivo), esta foi sucedida por um novo "presidente": o general Emílio Garrastazu Médici.




Podemos dizer que, realmente, os "Anos de Chumbo" ocorreram durante o governo do general Médici - cujo "mandato" ocorreu de outubro de 1969 a março de 1974 - visto que, dentre outros motivos, foi ele que governou utilizando-se imensamente do AI-5 (que fora decretado por seu antecessor, em dezembro do ano anterior à sua chegada ao poder). 




Uma das explicações para isso é que - primeiro com o marechal Costa e Silva, mas, principalmente, com o general Médici - estes dois representaram a chegada da chamada "linha dura" do Exército ao poder, uma vez que o governante anterior (o marechal Castelo Branco), e os governantes posteriores (os generais Geisel e Figueiredo), não foram - de certa forma - tão a fundo na repressão, nas torturas, nas prisões, ou seja: numa busca de um poder total, intimidatório e extremamente totalitário), como ocorreu com os dois inicialmente citados. Podemos conjecturar que, no caso de Castelo Branco, ele estava tentando se "equilibrar" entre as alas mais branda e mais dura do próprio Exército (e, para tanto, teve ações conciliatórias e mesmo contraditórias, tentando, assim, agradar aos dois lados), e, já no caso dos últimos dois mandatários - em especial de Geisel - ele havia se posicionado (de forma bem clara), contra a "linha dura" (buscando, assim, seu caminho para o que ele chamou de "Abertura"), sendo que seu sucessor - Figueiredo - meramente seguiu seu plano de abertura política...

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Mas, falemos do período específico dos "Anos de Chumbo". Como já dissemos, ele ocorreu, mesmo, durante o governo do general Médici. E isso se deveu ao fato de que várias coisas confluíram para que isso acontecesse. Uma das coisas que ocorreram foram campanhas ufanistas (que, em sua maioria, mostrava que o Brasil devia ter orgulho próprio e que, quem estava lutando contra o governo eram, contra o Brasil. O maior estandarte dessa ideia era este adesivo que se segue...




Uma das coisas que mais deram força ao governo de Médici - para a população em geral - foi o chamado "Milagre Econômico". Ele foi dignificado como sendo um dos motivos pela qual os militares deveriam se manter no poder (afinal de contas, o Brasil estava tendo uma economia invejável, crescendo entre 11% e, até mesmo, 14% ao ano). Porém, isso se deu ao custo de diversos empréstimos no exterior (que endividaram extremamente o Brasil, deixando aos governos civis, que se seguiram à Ditadura Militar), culminando numa das dívidas externas mais acachapantes, minando a economia futura brasileira (que, durante os Anos 1980 e 1990, nos levou à problemas econômicos enormes). E, por fim, o que este "milagre" nos deixou foi - em grande parte - obras faraônicas e (em partes), desnecessárias (como é o caso emblemático da Rodovia Transamazônica, não totalmente terminada e operante até hoje). Com tudo isso, os Anos 1970 são lembrados, por muitos que o viveram, como anos de crescimento e de economia nos eixos (tendo, o povo comum, até mesmo saudades daqueles tempos). Ponto pra Ditadura (digamos assim)...




Outro fato que foi utilizado - de uma forma muito inteligente (e mesmo recorrente, em se tratando de um regime totalitário) - foi o da Seleção Brasileira de Futebol ter conquistado (com um dos times mais maravilhosos que já jogaram numa copa), a "Copa do Mundo do México", em 1970. Como todo governo de exceção, a "Ditadura Militar" não deixou de tentar - e conseguir - capitanear o feito como algo inerente ao regime (mesmo que, logicamente, uma coisa não tenha nada a ver com a outra).





Porém, os "Anos de Chumbo" não foram só de "flores" (em especial para quem se posicionara contra a Ditadura Militar - obviamente - como foi o caso de intelectuais, professores, estudantes, jornalistas, alguns artistas, e afins). Afinal, foi durante este período - sendo, mesmo, o motivo desse período ter ficado conhecido por este nome, como "Anos de Chumbo", e devido a tudo isso, a repressão ganhou novas armas, artimanhas, poderes e "modus operandi", ficando muito mais cruéis, grotescos e focados (no caso: na oposição, nos comunistas, na esquerda, etc...). Órgãos de repressão foram criados, mesmo que num clima de clandestinidade, por todo o país (sendo os mais emblemáticos deles, a criação dos DOPS - Departamento de Ordem Política e Social - e dos DOI-CODI's - Destacamentos de Operações de Informação-Centros de Operações de Defesa Interna).





















Quando dizemos que os órgãos de repressão - como o DOPS e os DOI-CODI's - dominaram a repressão durante os "Anos de Chumbo", isso NÃO É algum tipo de "licença poética" (ou algo do gênero). Foi um domínio total e absoluto (e, tudo isso, amparados pela lei, no caso, pelo AI-5, já que eles podiam prender quem quisessem, mesmo por uma pequena desconfiança, e os presos não teriam como se defender, sem Habeas Corpus, ou algo do gênero). Os presos poderiam ser levados para algum lugar ermo e secreto - como o sítio da foto abaixo, em Embu-Guaçu (nos extremos da zona sul de São Paulo) - ficando dias sem comunicação com parentes ou amigos. É o que ficou conhecido, genericamente, como os "porões da Ditadura".




Isso tudo levou à radicalização dos mais politizados, levando a manifestações cada vez mais sérias (por parte da oposição), bem como, de mecanismos cada vez mais autoritários (por parte da ditadura). Grandes manifestações ocorreram, jornais eram censurados (levando os editores a se utilizar de subterfúgios, como preencher as áreas censuradas com poemas - como aparece na página de uma das edições censuradas do jornal O Estado de São Paulo, que colocou versos de Os Lusíadas, de Camões - e receitas de bolo), endurecendo, em muito, a luta da oposição...
























Só que, exatamente de dentro do próprio sistema opressor e autoritário de nossa Ditadura Militar, uma ala - aquela considerada a mais "branda" (ou, melhor dizendo, a menos "dura") - começou a se opôr ferrenhamente à ideia de se manter no poder, começando a arquitetar um retorno aos quartéis e uma devolução do poder aos civis. O "líder" dessa ala era o general Ernesto Geisel (que, antes de tornar-se o próximo "presidente" da Ditadura Militar), preparou o terreno para as mudanças que viriam (em seu mandato e no de seu sucessor, o general João Batista Figueiredo), sendo o primeiro passo para isso a demissão de seu principal opositor - e conhecido como o "líder" da ala da "linha dura" - o general Sylvio Frota (aquiescendo, assim, os sonhos de uma continuidade militar no poder - bem como fazendo com que os "Anos de Chumbo" se estendessem para muito além do que, por fim, duraram).

















Mas, nem todos, dentro da "linha dura", concordavam com o general Ernesto Geisel. Começaram a ocorrer atentados da direita - leia-se aí da "linha dura" - como explosões de bancas de jornais (que vendiam jornais e outras publicações consideradas subversivas, como O Pasquim - que era vendido de forma bem escondida, quase clandestina). E, por fim, a "linha dura" arquitetou, e tentou levar à cabo, um atentado - durante as comemorações do Dia do Trabalho, em 1981 - porém, ele foi frustrado (uma vez que a bomba explodiu antes da hora, no estacionamento do Rio Centro, deixando claro quem iria cometer o atentado - os próprios militares da "linha dura" - já que os dois ocupantes eram militares, tendo um deles morrido e o outro ficando bem ferido). O fato só precipitou, de forma mais contundente ainda, a caminhada rumo à "Abertura Política".





















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Espero ter dado uma luz aos "Anos de Chumbo", período tão controvertido - e pouco conhecido, ainda - de nossa História...



* Um último adendo: pra saber mais sobre os Períodos em que o nosso Exército interviu na Política Brasileira, é só acessar, à seguir, esse artigo, que é somente sobre este assunto citado acima:




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